terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os rumos da formação de doutores no Brasil

http://www.ufjf.br
Interessante entrevista concedida ao Jornal da Ciência há quase dois anos pelo Professor Marcelo Hermes, do Departamento de Biologia Celular da UnB, onde o mesmo faz duras críticas à formação de doutores no Brasil (leia a entrevista na íntegra aqui). Ele apresenta uma visão contrária à expansão da pós-graduação, principalmente dos programas de doutorado, alegando que tal processo implica numa queda de qualidade na produção científica.
Apesar de, ao meu ver, em algumas colocações o professor se mostrar de certa forma arrogante e preconceituoso, como com relação aos alunos formados nas universidades particulares, acredito que o mesmo é coerente ao criticar a falta de tempo necessário para uma boa formação de novos doutores e, principalmente, do aumento do número de orientandos por professor, o que fatalmente influencia na dedicação do mesmo a cada trabalho orientado. A questão é que, no Brasil, "expansão" sempre vem acompanhada de "arroxo", ou seja, aumenta-se a oferta de vagas, porém sem aumento no número de doutores titulares para orientar os doutorandos. Como doutorando, eu entendo que a minha formação deve contemplar não apenas a pesquisa em si, mas também um ganho de experiência suficiente para que eu tenha condições de ser um orientador de mestrado e doutorado no futuro e, para isso, preciso de uma grande convivência com aqueles que já possuem essa experiência. Felizmente estou tendo esta oportunidade com minha orientadora, mas sei que muitos sequer conseguem contatos regulares com seus orientadores.
Não compartilho da ideia de que não se deve expandir a formação de doutores no Brasil, mas defendo firmemente que as políticas governamentais compreendam que a ciência não se configura num processo industrial e que a produção do conhecimento requer tempo de análise dos dados e maturação dos seus pesquisadores. A produção científica de um doutor deve ser avaliada pela qualidade e relevância e não apenas pela quantidade de artigos publicados anualmente, como infelizmente tem ocorrido nos dias atuais. 

Para encerrar, indico a leitura do artigo "A cultura da performatividade e a avaliação da Pós-Graduação em Educação no Brasil", do professor Antonio Flávio Moreira, da Universidade Católica de Petrópolis, disponível aqui.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Aos olhos do "Grande Irmão"

Para quem já leu o livro “1984” de George Orwell, o episódio do suposto abuso no Big Brother deixa evidente o que este brilhante escritor já dizia em sua obra: todo mecanismo de controle tem o seu limite. A Globo tentou – em vão – criar uma atmosfera que nos fizesse acreditar que tudo não passou de troca de “carinhos” entre dois jovens alcoolizados. Mas a própria reação do público mostrou que mesmo num programa desse “nível” existem limites a serem observados. A conivência com um suposto crime ou mesmo a falta de esclarecimentos provocam reações que forçam os detentores da informação a tomarem novos rumos. 
O que eu acho mais interessante no BBB não é essencialmente o roteiro que se procura seguir lá dentro, mas exatamente essa relação do público com o que ocorre. Muitas reações apenas afloram a própria cultura brasileira, infelizmente ainda impregnada de racismo, machismo, sexismo e preconceito. E isso não é "privilégio" das classes menos favorecidas, nem exclusividade daqueles que assistem programas do estilo Big Brother.

E para aqueles que simplesmente odeiam o BBB por odiar, sugiro a versão dos cinemas do livro a que me referi. Isso certamente ajudará nas futuras argumentações.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Educação na China

http://bbc.co.uk
A edição de 21 de dezembro de 2011 da revista Veja trouxe como reportagem de capa uma interessante análise da educação escolar chinesa e como esse país aposta nesse setor como chave para o seu desenvolvimento (leia a reportagem na íntegra aqui). Apesar do jornalista apressadamente já concluir na introdução de seu texto que o sistema chinês é um exemplo para o Brasil seguir – afinal estamos falando da Veja e toda sua já conhecida carga política totalmente parcial – é possível fazermos uma análise menos entusiasmada, porém importante para compreendermos o que poderia ser pensado no Brasil, principalmente em termos de políticas públicas. 

A reportagem foi didaticamente dividida em cinco “capítulos”. O primeiro trata da relação dos alunos com a escola e com seus pais, usando como pano de fundo a rotina de um jovem de 16 anos que estuda dia e noite para ter bons resultados no Gao Kao – uma espécie de ENEM da China – e abre mão de sua vida social para alcançar tal objetivo. A educação chinesa é fortemente embasada na meritocracia e os pais tem obsessão em oferecer aos filhos condições para que eles sejam os melhores naquilo que fazem. Particularmente não tenho nada contra isso, porém acredito que o jovem necessita de socialização, pois o ser humano não pode ser formado apenas para o trabalho. Fica claro na reportagem que na China a escola é responsável apenas pelo ensino e aprendizagem de conteúdos e todos os demais aspectos da formação humana ficam a cargo da família. Isso é bom? Não sei. 

Outro aspecto interessante abordado é a forte disciplina no espaço escolar. Pouca conversa, muito conteúdo e uma grande carga de dever de casa compõem a rotina dos estudantes, que também são responsáveis pelo asseio da sala de aula. Achei interessante e concordo com a observação de que “no Brasil ainda se confunde ordem com autoritarismo e a desordem é confundida com liberdade”. Outra curiosidade é que não há chamada nas aulas, porém a frequência é acompanhada e os pais são chamados sempre que seus filhos não comparecem às aulas, o que raramente ocorre, de acordo com a reportagem. 

http://international.umd.edu
O item que considero mais interessante na reportagem é o professor chinês. A formação de professores na China é totalmente diferente da que ocorre no Brasil, mas a carreira não é tão interessante assim em termos de salários. Entretanto, ao contrário do que facilmente podemos pensar, a pesquisa é fortemente incentivada e a ideologia comunista não está presente em tal formação e muito menos compõe o dia-a-dia desses professores em sala de aula. Existe uma abertura em termos de busca por métodos que realmente sejam eficazes em na aprendizagem, podendo ser realizadas experiências com práticas inovadoras. Tais práticas são compartilhadas entre os professores em reuniões periódicas com forte viés colaborativo. Isso faz com que as melhores práticas sejam compartilhadas rapidamente por toda a rede de ensino no país. 

Historicamente a China viveu períodos onde o conhecimento foi praticamente proibido e hoje o país parece buscar uma compensação por este equívoco. A reportagem é encerrada com números referentes aos investimentos públicos no setor e comparações frequentes com a realidade brasileira. 

Minha opinião? Brasil e China são países que até podem ser equiparados em termos econômicos – afinal puxam a fila dos emergentes – mas são muito diferentes em termos culturais e isso é impossível de ser ignorado ao se fazer educação. O brasileiro vive intensamente desde o seu nascimento e não está disposto a abrir mão de sua infância e adolescência para viver uma rotina maçante de formação para o trabalho na vida adulta. Acredito que a escola deva fazer parte do desenvolvimento do indivíduo mas não pode substituir sua vida, ou seja, a escola deve fazer parte e não ser o objetivo único desta vida. Essa é uma equação difícil de se resolver no nosso país. Concordo que a China já colhe formidáveis resultados, porém todos centrados unicamente no mundo do trabalho. E os demais aspectos da vida? São ignorados? Apesar de tudo creio que os pais brasileiros deveriam ver nos chineses um exemplo no que diz respeito ao incentivo aos estudos e na luta por uma boa educação. Um bom começo seria uma maior participação dos pais nas reuniões escolares, ficando a par do que acontece na escola, quais as metodologias adotadas e a filosofia de trabalho dos seus professores. 

O que mais me chamou atenção na reportagem foi a formação e atuação dos professores e acredito fortemente neste aspecto como chave para a transformação na educação. A troca de experiências é essencial para que as boas práticas sejam difundidas. O professor brasileiro precisa aprender – ou ser incentivado – a compartilhar suas experiências com os demais colegas. 

O aluno também não pode fugir de sua responsabilidade. Precisa compreender a escola como um espaço onde ele será capaz de entender melhor o mundo e as relações que nele ocorrem. Só assim será capaz de enfrentar a realidade com consciência e habilidades para sua própria transformação. Não defendo que ele estude 24 horas por dia, mas o mesmo precisa ter clareza de que a escola existe para ajudá-lo no seu desenvolvimento pleno.

Ao contrário do jornalista, não creio que a China seja um “exemplo a ser seguido”, mas sim uma interessante realidade a ser analisada e que certamente pode contribuir para uma auto-análise da educação no Brasil, principalmente no que tange à formação inicial e continuada de professores.