sexta-feira, 29 de março de 2013

Quando "Deus" não me deixou ir ao cinema

Hoje, sapeando pelo youtube num daqueles momentos de nostalgia que nos leva a buscar clipes antigos, comecei a assistir ao vídeo de "I don´t wanna miss a thing", da banda Aerosmith, e isso me fez recordar um fato curioso que me ocorreu no meu primeiro ano de exercício da docência.
A música em questão é tema do filme Armageddon, que estreou em 1998, ano em que eu apenas "engatinhava" profissionalmente, vivenciando minhas primeiras experiências no meu primeiro emprego: a escola particular "Tia Olívia", conhecida em toda a cidade por possuir uma metodologia diferenciada de ensino e que, na ocasião, flertava com o Construtivismo (assim como toda escola que quisesse se julgar "moderninha" ou "antenada" no final dos anos 90).
Mas qual a relação entre o filme e minhas experiências? E qual o sentido do título desse post?
Pois bem, no segundo semestre do referido ano, fiquei responsável pelas disciplinas de Português e Matemática na 3ª e 4ª séries e elaborei um projeto sobre cinema, uma vez que há pouco tempo o mesmo havia comemorado seu centenário.
Assim, foram vários trabalhos com textos, notícias de jornal e uma sessão pipoca com "Tempos Modernos" para que a garotada vivenciasse o início da chamada "Sétima Arte". Como culminância do projeto, havia a previsão de irmos em excursão ao cinema para assistirmos a um filme bem moderno, com muitos efeitos, e compararmos a evolução dos mesmos. A ideia também era que o filme fosse estrangeiro para depois debatermos sobre o uso de legendas e a dublagem.
Tudo certo, valores combinados com os pais, data marcada, filme escolhido: Armageddon. Era o que estava bombando e a gurizada tava doidinha pra ver. Mas....(tem sempre um mas)...
A coordenadora pedagógica (também esposa do dono da escola) era uma daquelas pessoas que realmente "intervinha" nas aulas dos professores. Infelizmente, ultrapassava os limites do bom senso e acabava por limitar a nossa autonomia, ao ponto de nos mandar jogar fora atividades já elaboradas e reproduzidas. Achava-se profundamente conhecedora do Construtivismo, mas não exercia um dos seus mais valiosos princípios: o da liberdade de expressão. 
Avisada do filme, resolveu assistí-lo antes de autorizar a excursão, o que não foi permitido, pois ela, evangélica fervorosa, entendeu que o filme poderia induzir as crianças a uma visão de que é possível reverter os "desígnios divinos".
Vou explicar melhor: no filme, um grupo de astronautas é enviado ao espaço para deter um meteoro gigante em rota de colisão com a Terra, o que se efetiva ao término do filme.
"As crianças vão achar que podem deter Deus", foi sua justificativa para não autorizar a nossa ida ao cinema. Ou seja, numa escola construtivista, ela decidiu qual seria a interpretação do filme, como se os estudantes não pudessem debater o assunto e chegar a inúmeras conclusões.
Eu era um garoto de apenas 19 anos e, sem o respaldo teórico e experiencial que hoje, 15 anos depois, possuo, nada pude fazer. E essa não foi a primeira vez que ela esfregou a religião na minha cara. Na escola, eu era o único professor católico, e acho que só fui contratado porque ela esqueceu de me questionar sobre esse "detalhe" na entrevista de emprego. Apesar de todas as minhas colegas serem evangélicas, não havia conflito algum. Pelo contrário, a convivência era ótima, com exceção das colocações da coordenadora, que sempre procurava menosprezar a doutrina católica em qualquer chance que tivesse. Deus sabe quantas vezes me contive de entrar num embate quanto a este assunto. Mas, imagine-se saindo do primeiro emprego sem uma carta de recomendação. É motivo suficiente para calar a boca de qualquer iniciante.
Enquanto presenciamos a religião se embrenhando nas questões legais e políticas do Brasil, percebo o quão prejudicial foi tal atitude ao meu projeto. Uma atitude arbitrária e totalmente desprovida de um arcabouço teórico válido. Me recordo claramente das carinhas de decepção dos meus pequenos, mas decidi não ir ver outro filme, mesmo porque não havia nenhum outro em cartaz que pudesse permitir as discussões sobre os efeitos especiais.
Enfim, como gostaria de voltar no tempo levando toda a experiência que hoje possuo, para falar meia dúzia de verdades à minha "amada" coordenadora. Ah, se eu pudesse.
"Don't wanna close my eyes."